segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

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    Quem me vê calada não sabe o barulho que faço. Não imagina o barulho que está por dentro. E o quanto tenho que me enlarguecer para não dar um pio. O quanto tento a todo instante emudecê-lo. Às vezes, me sinto presa na tela de Munch. Olho para baixo. Fecho os olhos por dois segundos. Engulo a seco aquele nó de marinheiro que fica preso goela. Desce arranhando. E nem sei aonde vai. Nem como resgatá-lo. Tento seguir a linha do meu pensamento, costurando uma lembrança aqui e outra ali. Será que vivi tudo isso ou minha mente está se confundindo com tantas histórias que já ouvi? Será que estou me apropriando de lembranças alheias? E quem se importa? Sempre fui boa de ouvir histórias, mas nunca de vivê-las. Deve ser por isso que estou sempre a um passo de ebulir. Sou uma catadora. Todos os pedaços de vida que ouço estão registrados em mim... posso contar com ínfimos detalhes sobre aquele casamento que ouvi outro dia no ônibus. Uma moça que estava sentada um pouco a frente e conversava animada com a amiga que estava no banco de trás. Sim, ela estava em minha frente, exatamente, como você está agora. Sempre fui muito atenta ao olhar do outro. Ao ouvir o outro. Ao sentir o outro. Porque o outro também sou eu. Devoro cada palavra que ouço, cada vírgula... Suspiro. Respiração. Entonação. Cada “r”. Cada “s”. Até as piscadelas dos olhos. A pausa para beber água me deixa excitada. Qual será a palavra falada no instante seguinte? Meus olhos parecem desprender. Saltar. Estar atento ao outro é uma forma de ter controle sobre mim. Não posso ignorar o desconhecido. Nem ser indiferente a ele. Viver apreensiva é falecer a cada instante. Sou composta por fragmentos. É urgente ouvir as pessoas. Tem dias que estou só esperando um olhar cruzar o meu para ouvir o que ele diz... Tem cada silêncio dolorido por aí. Sou comedora de silêncios. Até mesmo quando estou sem fome...